É possível criar um regime presumido de dedução de materiais na construção civil?
Diante da dificuldade e morosidade que um processo administrativo desse naipe poderá criar para a Administração Tributária e, é óbvio, para as próprias construtoras, nada impede que os Municípios instituam um regime de estimativa ou presunção de dedução dos materiais, de acordo com os critérios que a legislação tributária municipal adotar. A propósito, talvez isso seja até o mais recomendável, de acordo com a realidade local. Neste caso, a legislação municipal poderá fixar (presumir) um percentual fixo ou variável de dedução automática, que dispense a avaliação em concreto.
Vale dizer que os órgãos de classe da construção civil revelam frequentemente os índices e as tabelas pertinentes aos custos das obras de engenharia, o que facilita ou, ao menos, serve de orientação ou base para o estabelecimento desse percentual de presunção.
Por se tratar de uma presunção, ela deve ser prevista em lei municipal (lei ordinária ou complementar, de acordo com o que for exigido no ordenamento municipal). O percentual propriamente dito não precisa constar nesta lei municipal; basta que a referida lei mencione os critérios ou os índices que deverão ser adotados pela Administração Tributária, abrindo-se a possibilidade dessa fixação se dar através de um decreto do Executivo ou uma norma complementar (ex.: instrução normativa ou portaria).
Tal técnica legislativa, talvez seja a mais recomendável, uma vez que esses valores gastos com materiais variam de acordo com vários fatores econômicos. Logo, se constar esse percentual na própria lei, a Administração Tributária e as próprias construtoras ficariam engessados para atualizar e a readequar esse percentual de acordo com a atual realidade do mercado.
Alertamos que essa posição do STJ prevaleceu pacificamente até abril de 2023, quando a sua 1ª Turma provocou nova reviravolta na matéria, ressuscitando o entendimento antigo do Tribunal, no sentido da impossibilidade de deduzir os materiais fornecidos pelo prestador dos serviços de construção civil, exceto as mercadorias produzidas por ele fora do local da obra, de acordo com as ressalvas previstas nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa à LC nº 116/2003.
Eis o julgado do STJ que provocou nova guinada na sua jurisprudência sobre a matéria:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.916.376 – RS (2021/0011137-9), JULGADO EM ABRIL DE 2023:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE.
(…) 2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. Precedentes.
3. O Supremo Tribunal Federal, ao proferir o primeiro julgamento do RE 603.497/MG (Tema 247 do STF), em 31/08/2010 (DJ 16/09/2010), decidiu reformar acórdão do STJ com fundamento no entendimento do Pretório Excelso sobre a “possibilidade de dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”.
4. A partir desse momento, esta Corte Superior, buscando alinhar a sua jurisprudência à referida decisão da Suprema Corte, começou a decidir naquele mesmo sentido, como se observa, a título de exemplo, no AgRg nos EAREsp n. 113.482/SC, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Primeira Seção, julgado em 27/2/2013, DJe de 12/3/2013.
5. Entretanto, mais recentemente, em 03/07/2020 (publicação da ata de julgamento em 13/07/2020), nos mesmos autos do RE 603.497/MG, o STF deu parcial provimento a agravo interno para, reafirmando a tese de recepção do art. 9º, § 2º, do DL n. 406/1968 pela Constituição de 1988, assentar que a aplicação dessa tese naquele caso concreto não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil.
6. Diante desse último pronunciamento da Suprema Corte no julgamento do seu Tema 247, há de voltar a ser prestigiada a vetusta jurisprudência do STJ sobre o tema.
7. Hipótese em que a parte autora nem sequer alegou, muito menos comprovou, que comercializou de forma apartada os materiais empregados nos serviços de concretagem e submeteu o valor deles à tributação pelo ICMS, de modo que não faz jus à pretendida dedução da base de cálculo de ISS.
8. Recurso especial desprovido.”
Se mesmo assim os municípios desejarem autorizar as deduções em lei, até mesmo criando ou mantendo um regime presumido de dedução de materiais, esta norma deverá ser entendida como benefício fiscal e, portanto, estará sujeita ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000).