Incide ISS sobre a locação de bens móveis?
Não incide ISS sobre a locação de bens móveis. Está pacificada a não incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. Eis o teor da súmula vinculante nº 31 do STF:
“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
Entretanto, cumpre destacar que a locação agregada (associada) a uma prestação de serviço pode desfigurar tal contrato, atraindo a incidência do imposto municipal em comento. É o caso típico, por exemplo, do “aluguel” de veículos ou máquinas para a construção civil, juntamente com motorista ou operador. Isso não é locação! Outros exemplos que não configuram a “locação de bens móveis” e, portanto, podem sofrer a incidência normal do ISS: “locação” de veículos junto com motorista; “locação” de equipamentos junto com serviço de limpeza; “locação” de software junto com a customização (personalização) para o usuário, “locação” de caçambas, etc.
O Prof. Roberto Tauil nos brinda com um exemplo bastante comum:
“Serviços de terraplenagem são considerados locação de máquinas?
Resposta: Nos serviços de terraplenagem, as máquinas são meios utilizados e necessários na prestação de serviços de empreitada. O tomador do serviço não está ‘alugando’ máquinas, mas contratando um empreiteiro para realizar uma obra, e não lhe diz respeito se tais máquinas são próprias ou locadas pelo prestador do serviço. É até possível uma pessoa locar máquinas com a intenção de realizar ela mesma um serviço de terraplenagem para si próprio. Neste caso, a pessoa deve apresentar o contrato de locação, comprovando o fato. Todavia, o mais comum é contratar o prestador para executar a obra, dispondo este de equipamento e pessoal próprio para prestar o serviço. Trata-se de um serviço de empreitada e, como todos os contratos dessa espécie, sujeito ao ISS”. (“ISS: perguntas e respostas”, editora Juizforana, Juiz de Fora, 2009, p. 119)
Portanto, a “locação” de máquinas e instrumentos para a construção civil, operados por terceiros que cedem tais utensílios, configura prestação de serviço (obrigação de fazer), tranquilamente sujeita ao ISS. Em tais casos, a locação não se configura como um contrato ou atividade autônoma, mas sim como uma atividade-meio, um “insumo” da prestação de serviço. Exemplificando, para se fazer uma terraplanagem (subitem 7.02), o prestador de serviço terá que usar (“locar” para si mesmo) equipamentos e veículos para a execução desta obra de engenharia, afastando a aplicação da Súmula Vinculante nº 31 do STF.
Aliás, tal ponto foi ventilado pelos ministros do STF durante os debates que antecederam a edição da súmula vinculante nº 31. O mesmo STF vem se manifestando claramente nesse sentido em várias decisões como a abaixo transcrita:
“TRIBUTÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – ISS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO – LOCAÇÃO DE BEM MÓVEL COMO FORMA DE ATINGIR A ATIVIDADE-FIM, HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO CONFIGURADA – RECURSO PROVIDO.
A locação de bens móveis pura e simples, quando desacompanhada de prestação de serviço é mera cessão de uso. Com a disponibilização do bem, passa o locatário a usá-lo, pagando o aluguel respectivo, sem que passe a usufruir de qualquer serviço prestado pelo locador. Assim, nessa situação não incide o ISS.
De outro vértice, a locação de bem móvel com o fornecimento de mão de obra por meio de pessoal próprio, como forma de prestar um serviço diferenciado para seus clientes, materializa, em concreto, o fato gerador do ISS.
Essa exação é decorrência da efetiva prestação do serviço, pouco importando a atividade empregada para atingir a atividade-fim, no caso em tela, a locação de bem móvel (caminhão).
2. Alega-se, no recurso extraordinário, violação do disposto nos arts. 155, inciso II, e 156, inciso III, da Constituição do Brasil.
3. O recurso não merece provimento. O TJ/SC proveu o recurso do município ora recorrido, sob o entendimento de que a locação de bem móvel com o fornecimento de mão-de-obra por meio de pessoal próprio, como forma de prestar um serviço diferenciado para seus clientes, materializa, em concreto, o fato gerador do ISS.
4. Desse modo, entendimento diverso do adotado pelo acórdão recorrido demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada nesta instância, em face do óbice da Súmula nº 279 deste Tribunal.
5. Nesse sentido, o AI nº 699.051-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 17.4.2009, ementado nos seguintes termos:
“TRIBUTÁRIO – CONSTITUCIONAL – ISS SOBRE A LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – POSSIBILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO. I – A orientação do Tribunal é no sentido de que não pode incidir sobre a locação de bens móveis o imposto sobre serviços, desde que essa atividade não se confunda com a prestação de serviços. II – O acórdão recorrido, com base no conjunto fático-probatório dos autos, entendeu restar configurada a atividade de locação de serviços, sujeita ao ISS. Para se chegar à conclusão contrária à adotada, necessário seria o reexame de matéria de fato, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. III – Agravo regimental improvido.”
Nego seguimento ao recurso com fundamento no disposto no art. 21, § 1º, do RISTF.
Publique-se.
Brasília, 26 de agosto de 2009.
Ministro Eros Grau – Relator”
Assim, ainda que a locação seja a atividade “preponderante” de um serviço mais amplo, ela será absorvida pela atividade-fim, o que poderá ensejar o correto enquadramento nos subitens da construção civil. Neste diapasão, o STF acatou a incidência do ISS sobre o leasing, ainda que esse contrato seja predominantemente um financiamento e um arrendamento (locação) de bem.
Na Reclamação nº 14.290, relatora Ministra Rosa Weber, j. em 22/05/2014, DJe de 18/06/2014, o Plenário do STF decidiu que devem estar claros no contrato a atividade de locação de bens móveis e a sua respectiva remuneração (aluguel), quando envolver operadores, sob pena de afastar a aplicação (automática) da Súmula Vinculante nº 31:
“EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. INCIDÊNCIA EM CONTRATOS MISTOS. LOCAÇÃO DE MAQUINÁRIO COM OPERADORES. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 31. DESCABIMENTO.
A Súmula Vinculante 31, que assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira.
Hipótese em que contratada a locação de maquinário e equipamentos conjuntamente com a disponibilização de mão de obra especializada para operá-los, sem haver, contudo, previsão de remuneração específica da mão de obra disponibilizada à contratante.
Baralhadas as atividades de locação de bens e de prestação de serviços, não há como acolher a presente reclamação constitucional.
Agravo regimental conhecido e não provido”.